quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Segunda Chance





Daniel sentou-se no chão, encostado na parede, coberto de suor.  A arma tremia em sua mão e ele encostou-a rapidamente em sua cabeça. Se ela disparar por acidente, que não acerte o alvo errado. Ofegante, ele repassava os últimos momentos em sua cabeça, para evitar que mudasse de ideia. A despedida da namorada, o desprezo dos pais, a falta de reconhecimento por seu trabalho. É, não restava mais nada mesmo. Além do mais, a morte trará fama. Pelo menos havia sido assim com tantos outros pintores antes dele.
Após respirar fundo pela última vez, ele fechou os olhos e apertou o gatilho.
O vazio que se seguiu era indescritível. Nada de dor, sofrimento, sentimentos ruins, nada. E então uma batida. Mais uma. Era o seu coração, ainda batia forte, como se ignorasse o que acabara de acontecer. Lentamente, Daniel abriu um olho e, enquanto reconhecia o quarto onde estava, notou que estava sentado na mesma posição, com a arma ainda encostada em sua cabeça. Mas bem na sua frente havia um homem.
Seria difícil tentar descrevê-lo. Suas feições não tinham nada de memorável. Sem barba, sem bigode, cabelo curto, um homem comum com roupas comuns. “Daniel?” ele disse. “Pode me ouvir?”
Completamente perdido, Daniel deixou o braço cair devagar, tirando sua cabeça da mira da arma. O Homem tornou a abordá-lo. “Está tudo bem. Eu vim para lhe mostrar algo.” Estendendo a mão, ele fez sua oferta. “Venha comigo.”
Tremendo mais que um pinto, Daniel aceitou a mão estendida e levantou-se. Percebeu que o Homem era pouca coisa mais alto que ele. “Vamos dar um passeio. Aproveite, pois ninguém poderá nos ver.”
No instante seguinte, o quarto em que eles se encontravam já era outro. Um quarto de garota, com toda a decoração que se espera encontrar em tal lugar. Deitada na cama, agarrada em um jacaré de pelúcia, a Namorada chorava ao telefone. “Eu não queria que fosse assim, mas ele tava achando que eu tava à disposição dele. Que eu vivia por conta dele. Daí eu tinha que fazer isso pra ele abrir o olho. Mas dói tanto. Eu não consigo parar de pensar em como ele deve tá se sentindo agora... é, é o que eu espero.” O choramingo foi interrompido por uma leve risada. “Já tô imaginando como vai ser quando a gente voltar.”
Tomado de assombro, Daniel olhou para o Homem, que apenas sorriu para ele com afeição. “Ainda há mais para ser visto.”
Quando olhou de volta para a cama, o quarto já não era mais quarto. Agora era a cozinha de casa, com o Pai e a Mãe sentados à mesa. E a Mãe dizia: “Acho que você pegou pesado com ele dessa vez. Tudo bem que ele não tem andado na linha, mas... você sabe como ele se deixa levar pelo que ouve. E parece que ele ainda se desentendeu com essa namorada nova. Isso me preocupa.” “É... tá certo. Vou lá falar com ele. Tentar explicar que a gente só quer o bem dele.”
Fazendo jus à sua descrição dada pela Mãe, Daniel chorou. E desejou que eles o vissem agora, que falassem com ele ali, naquele instante. Mas alguém segurou-lhe pelo ombro, e virando-se, ele viu o Homem, ainda sorrindo. “Ainda não terminamos.”
A geladeira, a pia e a mesa deram lugar a um conjunto de cavaletes exibindo suas pinturas. Uma senhora examinava atentamente um dos quadros, o Aposentado. Após alguns instantes de observação, ela suspirou e deixou cair uma lágrima. Recompondo-se, procurou o responsável pela exibição.
Daniel, de olhos arregalados, agarrou os braços do Homem e gritou: “Eu entendi! Eu entendi! Agora eu vi tudo o que eu tenho e não sabia. Pode me levar de volta. Eu não vou mais apertar o gatilho.”
E então ele estava de volta, sentado no chão do quarto, suando feito um porco, com a arma na cabeça. E o Homem estava à sua frente. “Além de cego, você é tolo, Daniel. Tudo o que eu lhe mostrei não foi para fazer você mudar de ideia. Foi para que você soubesse o que perdeu. Você já puxou o gatilho.”
E então toda a dor e o sofrimento que ele esperara antes vieram de uma só vez, em uma fração de segundo que, para ele, durou uma eternidade.