Daniel
sentou-se no chão, encostado na parede, coberto de suor. A arma tremia em sua mão e ele encostou-a
rapidamente em sua cabeça. Se ela disparar por acidente, que não acerte o alvo
errado. Ofegante, ele repassava os últimos momentos em sua cabeça, para evitar
que mudasse de ideia. A despedida da namorada, o desprezo dos pais, a falta de
reconhecimento por seu trabalho. É, não restava mais nada mesmo. Além do mais,
a morte trará fama. Pelo menos havia sido assim com tantos outros pintores
antes dele.
Após respirar
fundo pela última vez, ele fechou os olhos e apertou o gatilho.
O vazio que se
seguiu era indescritível. Nada de dor, sofrimento, sentimentos ruins, nada. E
então uma batida. Mais uma. Era o seu coração, ainda batia forte, como se
ignorasse o que acabara de acontecer. Lentamente, Daniel abriu um olho e,
enquanto reconhecia o quarto onde estava, notou que estava sentado na mesma
posição, com a arma ainda encostada em sua cabeça. Mas bem na sua frente havia
um homem.
Seria difícil tentar
descrevê-lo. Suas feições não tinham nada de memorável. Sem barba, sem bigode,
cabelo curto, um homem comum com roupas comuns. “Daniel?” ele disse. “Pode me
ouvir?”
Completamente
perdido, Daniel deixou o braço cair devagar, tirando sua cabeça da mira da
arma. O Homem tornou a abordá-lo. “Está tudo bem. Eu vim para lhe mostrar
algo.” Estendendo a mão, ele fez sua oferta. “Venha comigo.”
Tremendo mais
que um pinto, Daniel aceitou a mão estendida e levantou-se. Percebeu que o
Homem era pouca coisa mais alto que ele. “Vamos dar um passeio. Aproveite, pois
ninguém poderá nos ver.”
No instante
seguinte, o quarto em que eles se encontravam já era outro. Um quarto de
garota, com toda a decoração que se espera encontrar em tal lugar. Deitada na
cama, agarrada em um jacaré de pelúcia, a Namorada chorava ao telefone. “Eu não
queria que fosse assim, mas ele tava achando que eu tava à disposição dele. Que
eu vivia por conta dele. Daí eu tinha que fazer isso pra ele abrir o olho. Mas
dói tanto. Eu não consigo parar de pensar em como ele deve tá se sentindo
agora... é, é o que eu espero.” O choramingo foi interrompido por uma leve
risada. “Já tô imaginando como vai ser quando a gente voltar.”
Tomado de
assombro, Daniel olhou para o Homem, que apenas sorriu para ele com afeição.
“Ainda há mais para ser visto.”
Quando olhou
de volta para a cama, o quarto já não era mais quarto. Agora era a cozinha de
casa, com o Pai e a Mãe sentados à mesa. E a Mãe dizia: “Acho que você pegou
pesado com ele dessa vez. Tudo bem que ele não tem andado na linha, mas... você
sabe como ele se deixa levar pelo que ouve. E parece que ele ainda se
desentendeu com essa namorada nova. Isso me preocupa.” “É... tá certo. Vou lá
falar com ele. Tentar explicar que a gente só quer o bem dele.”
Fazendo jus à
sua descrição dada pela Mãe, Daniel chorou. E desejou que eles o vissem agora,
que falassem com ele ali, naquele instante. Mas alguém segurou-lhe pelo ombro,
e virando-se, ele viu o Homem, ainda sorrindo. “Ainda não terminamos.”
A geladeira, a
pia e a mesa deram lugar a um conjunto de cavaletes exibindo suas pinturas. Uma
senhora examinava atentamente um dos quadros, o Aposentado. Após alguns
instantes de observação, ela suspirou e deixou cair uma lágrima. Recompondo-se,
procurou o responsável pela exibição.
Daniel, de
olhos arregalados, agarrou os braços do Homem e gritou: “Eu entendi! Eu
entendi! Agora eu vi tudo o que eu tenho e não sabia. Pode me levar de volta.
Eu não vou mais apertar o gatilho.”
E então ele
estava de volta, sentado no chão do quarto, suando feito um porco, com a arma
na cabeça. E o Homem estava à sua frente. “Além de cego, você é tolo, Daniel.
Tudo o que eu lhe mostrei não foi para fazer você mudar de ideia. Foi para que
você soubesse o que perdeu. Você já puxou o gatilho.”
E então toda a
dor e o sofrimento que ele esperara antes vieram de uma só vez, em uma fração
de segundo que, para ele, durou uma eternidade.