terça-feira, 26 de abril de 2022

ÍNDICE

CONTOS

Dia de Finados

Segunda Chance

Além da Fronteira da Névoa

O Diário

O Levantar

Kristian Carnahan


MINI-CONTOS

Mais uma noite

O que há além das estrelas


TRATADOS

Rei Arthur e os leitores de HQ da Idade Média

A diferença entre fé e otimismo

Nada mais importa

Reminiscência Afetiva

Curiosando e Aprendendo: O Homem Verde da Terra-Média


TRADUÇÕES DE ARTIGOS

Crônicas da Espada

Crônicas de dados e fogo

Curiosando e Aprendendo - O Homem Verde da Terra-Média



Ainda faltam 5 meses pra estreia, então só resta conversar sobre o pouco que já apareceu. Como esse pouco é MUITO pouco, a gente vai caçando detalhe pequeno mesmo e inventando teoria.
Tipo essa semelhança visual nas duas imagens aí. Já aviso que desde o começo não acreditei que fosse algo além de coincidência, mas achei curioso assim mesmo.
Contextualizando: a primeira imagem é o poster do novo personagem Arondir, interpretado pelo Ismael Cruz Córdova, que provavelmente será um dos Moriquendi, um ramo dos elfos que decidiu não seguir o caminho para Valinor durante a Primeira Era e, portanto, nunca tomou parte das principais histórias da Terra-Média. Sequer foram descritos; apenas sua existência é mencionada e nada mais.
A segunda imagem é da carta Mathom Lore, ilustração feita pela artista Robin Wood em 1996 para o saudoso card game Middle-Earth. Os hobbits eram acumuladores, principalmente quando se tratava de objetos incomuns, e a todas essas tranqueiras (geralmente inúteis além de servir como decoração) eles davam o nome de Mathom. Portanto, a ilustração mostra um hobbit em casa (ou no museu de Michel Delving) cercado por Mathom de todo tipo e possivelmente proveniente de lugares variados.
Agora a coincidência (se você ainda não viu ali): na primeira imagem, vemos a armadura de Arondir, que parece ser feita de casca de madeira acinzentada (e portanto, não serviria de armadura, e sim, de vestimenta, mas isso não vem ao caso agora). Na parte superior do peitoral, pode-se ver parte de um rosto com nariz largo, bigode e uma barba curta e pontiaguda. Há muitas folhas em volta do rosto e pelo resto do peitoral.
Olhando para a ilustração de Mathom Lore, vemos também, ao fundo, do lado superior esquerdo e meio escondida nas sombras, uma peça de decoração (?) que também é uma representação de um rosto de nariz largo, bigode e barba pontiaguda, e também na cor cinza. Dessa, podemos ver um pouco mais da parte superior da cabeça, onde há um par de adornos em um formato que não está tão claro (asas? chifres? folhas?). O rosto todo tem um aspecto folhoso.
Como os dois elementos podem estar relacionados? Eu não fazia ideia. Já disse que provavelmente não têm nada a ver um com o outro e é só uma coincidência. Até porque, não há nada correspondente nas histórias sobre a Terra-Média que nos indique um povo ou uma entidade específicos que possam estar representados por esses dois rostos.
Eu já tava começando a inventar teorias quando resolvi pesquisar primeiro. E achei esse artigo da Natania Barron sobre o figurino da série:
https://www.nataniabarron.com/2022/02/10/glimpses-into-the-costuming-of-the-lord-of-the-rings-the-rings-of-power/
Ali, ela menciona especificamente a "armadura" do Arondir e EXPLICA o que é o rosto: de acordo com ela, trata-se de um Homem Verde, um elemento decorativo comum na cultura celta, representado exatamente assim: um rosto barbado envolto em folhas. Lógico que eu fui pesquisar mais.
No resto da pesquisa, descobri que o Homem Verde é uma figura tão variada em conceito, aparência e localização quanto o Papai Noel, só que bem mais antigo: há Homens Verdes em pinturas e esculturas no Líbano, Iraque, Bornéu, Nepal, Índia, Chipre e Jerusalém desde o século II e vitrais e esculturas em igrejas no Reino Unido, Alemanha e Suíça desde o século XII. Ele geralmente representa um elo com o paganismo e é um símbolo de renascimento ou simplesmente decoração. De acordo com a cultura, ele pode ser uma representação associada a divindades ou entidades específicas, incluindo Osíris, Odin, Baco, até mesmo Jesus e o Papai Noel que eu já mencionei antes.
Resolvido o mistério. O que aconteceu foi que artistas diferentes, em épocas diferentes e para mídias diferentes, trouxeram um elemento decorativo do mundo real, análogo a uma flor-de-lis ou um pentagrama, para a Terra-Média e acabaram criando uma ligação não-intencional entre os personagens. Assim, podemos concluir que o hobbit possui, entre todas suas outras peças de Mathom, uma decoração em formato de Homem Verde feita pelos Moriquendi em alguma floresta da Terra-Média da Terceira Era. Possivelmente, o item mais valioso da coleção, por vir de um povo sobre o qual pouco se sabe.

sábado, 6 de novembro de 2021

Reminiscência Afetiva

Prática não-religiosa que revive a memória de conhecidos que faleceram.

A prática pode ser exercida através de reflexão individual, um momento sem duração determinada dedicado à lembrança dos que já se foram. Durante esse momento, memórias carinhosas são revisitadas, trazendo à lembrança mais uma vez a voz, o sorriso e a atitude daqueles que estão ausentes. É comum também que a reflexão se estenda para um momento de auto-aconselhamento, guiado pelos princípios das pessoas lembradas. É como se perguntas fossem feitas diretamente para eles e respondidas através das lembranças de seus atos.

Além da reflexão individual, a reminiscência afetiva também é comum entre grupos de pessoas. Quando o indivíduo lembrado fez parte da vida de mais de uma pessoa no grupo, ocorre uma partilha afetiva de memórias, que geralmente traz mais detalhes às lembranças, de diferentes pontos de vista. Essa colaboração enriquece e fortalece as lembranças dos entes queridos. A interação com outras pessoas que ocorre durante o compartilhamento de memórias também é extremamente eficaz para ajudar a lidar com sentimentos negativos e questões não-resolvidas.

Uma terceira forma de se praticar reminiscência afetiva é através de iniciativas que mantêm viva a memória da pessoa lembrada. Seguindo em frente com projetos ligados àquela pessoa, contribuindo com as mesmas causas, ou então passando adiante histórias para aqueles que não tiveram a oportunidade de conhecer o indivíduo lembrado.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Rei Arthur e os leitores de HQs da Idade Média

 


O que as pessoas liam e escreviam na Idade Média, quando ainda não havia HQs e super-heróis? Os poemas e canções de cavalaria da época ainda são bem conhecidos hoje em dia, principalmente aqueles em torno do Rei Arthur e sua Távola Redonda. O que talvez não seja tão popular são as características que estas histórias compartilham com nossas HQs atuais.

Terminei de ler Le Morte d’Arthur (1485), por Sir Thomas Mallory, um livro que por si só já mostra diversas peculiaridades da literatura da época. Não vou me prolongar sobre as estranhezas mais técnicas, como a grafia diferente das palavras, o uso incomum (hoje em dia) dos pronomes e a falta de aspas ou travessões evidenciando as falas dos personagens. O mais marcante nessa obra é a abordagem da história e como seus elementos são tratados.

Os inúmeros personagens (e bota inúmeros nisso - dá pra deixar o GRRM com inveja) sempre tem um nome e uma origem bem definidos, e só. Raramente há alguma descrição sobre sua aparência ou idade, e sua personalidade só é evidenciada em momentos críticos da história, quando presentes. Com isso, é fácil perder-se nas referências e na continuidade, quando algum dos personagens fica um tempo sem aparecer e ressurge na história. Bem parecido com o que acontece na Ilíada e no Silmarillion (nesse caso, propositalmente, já que a intenção da obra é ser um contemporâneo artificial das outras obras mencionadas). Até as listas de nomes são parecidas, igual ao Faustão com seus papeizinhos lendo os nomes das pessoas que vieram em cada caravana.

Mas e o que a obra tem a ver com HQs atuais? Talvez durante a leitura do texto, essa semelhança não fique evidente, mas ao terminar o livro e me aprofundar sobre sua origem foi que comecei, inevitavelmente, a comparar os dois estilos separados por séculos na história.

É apropriado dizer que o livro todo é uma grande compilação de histórias. Não se trata apenas do Rei Arthur, mas de diversos cavaleiros de sua ordem, e de suas aventuras solo. Em sua maior parte, elas nem lhe dizem respeito. Ele é apenas o elemento que liga todas as histórias. Sempre que um cavaleiro em alguma história diz pertencer à Távola Redonda, temos a reafirmação de que essas histórias todas acontecem no mesmo contexto. E apesar de estarem todas reunidas num mesmo volume, nesta edição, todas elas tiveram origens diferentes. Tratam-se de histórias tradicionais de pontos distintos da Europa, principalmente Grã-Bretanha, Irlanda e França. Algumas, inclusive, que precedem as histórias do próprio Rei Arthur. O que os contadores de história fizeram, ao longo do tempo, foi adaptarem estas histórias para que elas se encaixassem no mesmo universo compartilhado.

Se pegarmos, por exemplo, a história de Sir Percival, e analisarmos seu desenvolvimento, encontraremos diversas versões, reescritas e modificadas, desde o século XII. Na versão mais antiga de que se tem conhecimento, ainda estão presentes elementos celtas (a lança, o caldeirão e a espada) que mais tarde foram sintetizados e cristianizados no Santo Graal. Depois desta “primeira” versão, de Chrétien de Troyes, outros contadores (pelo menos 7 até o século XIII) tomaram as rédeas da história e criaram continuações e prólogos. E a cada acréscimo, a história se tornava mais próxima e relevante à história central do Rei Arthur e da busca pelo Santo Graal.

Os leitores da época não enviavam cartas aos editores demonstrando sua insatisfação ou desejos por histórias futuras. Em vez disso, os mais privilegiados conquistavam os favores dos próprios autores e encomendavam diretamente novas histórias com elementos específicos que eles queriam ver ali. O já mencionado Chrétien de Troyes, por exemplo, possivelmente escreveu Lancelot, o Cavaleiro da Carroça como uma encomenda para Marie de Champagne, que queria ver um caso entre o cavaleiro e a rainha Guinevere. Até então, Lancelot era um personagem de histórias da Bretanha ainda não relacionado à ordem de cavaleiros de Arthur.

Outra característica em comum entre a obra e as HQs é a atemporalidade das histórias. Os personagens centrais não demonstram sinais de envelhecimento, mesmo após serem pais (ou até avós), e suas histórias simplesmente continuam, continuam, até terem mais histórias do que seria possível em uma vida humana. Eles também não se modificam em sua essência. São arquétipos fixos, e cada vez que uma história nova surge, independentemente de onde ela se encaixe na trama ou do século em que tenha sido escrita, ela segue o arquétipo dos personagens.

O mais marcante de toda essa análise é a proximidade que percebi entre os leitores de hoje e os leitores do século XII. Os meios mudaram, os valores mudaram, mas o envolvimento com uma história que traz continuidade e que sempre pode apresentar um novo trecho continua. Novos autores continuam surgindo e dando sequência ao trabalho de seus predecessores, enquanto outros visitam obras clássicas e dão seu próprio toque pessoal, o que muitas vezes acaba tomando o lugar do original na aceitação dos leitores. Nunca teria imaginado que, a partir de um leitura com o objetivo de me aprofundar na literatura medieval e nas origens das lendas arturianas, eu teria chegado a uma análise literária de HQs e seus leitores contemporâneos.

sábado, 21 de dezembro de 2019

A diferença entre fé e otimismo

O otimismo é uma virtude livre de crenças; é o direcionamento do pensamento para um resultado positivo em uma situação de incerteza. Na grande maioria das vezes, ao se tratar de situações ainda não concluídas - como, por exemplo, ao aguardar o resultado de um exame, a resposta de uma carta de amor platônico, até mesmo o placar de um jogo de futebol - somos limitados por nossa percepção humana e não conseguimos ver todos os fatores que influenciam nesse resultado. Na verdade, não conseguimos ver quase nenhum deles. Portanto, não conseguimos acompanhar o desenrolar da situação, nem prever seu resultado. Só nos resta a esperança de uma conclusão satisfatória. Essa esperança nasce de nossas experiências anteriores e conhecimento adquirido; sabemos que situações semelhantes já foram concluídas com um resultado positivo, e isso indica a possibilidade de que agora aconteça da mesma forma. Assim, nos agarramos a essa ideia, a essa possibilidade. Queremos que o resultado seja positivo, muitas vezes não só para nós mesmos, mas para as pessoas com que nos importamos também. Portanto, quando ouvimos algo do tipo "Tenho fé que vai dar certo", é um exemplo de alguém exercendo seu otimismo, e não necessariamente, sua fé.
A fé não é sinônimo de otimismo. É um conjunto de crenças que projetam sentido e significado onde estes não encontram-se naturalmente. Nossa percepção da realidade é repleta de lacunas, decorrentes de nossos sentidos limitados. Não conseguimos acompanhar com detalhes todos os fenômenos da natureza, mas somos impelidos por uma necessidade humana de projetar algo nessas lacunas. E por toda a existência da humanidade, as lacunas foram sendo preenchidas por diferentes conceitos, decorrentes puramente da observação limitada e da criatividade. Um exemplo bem conhecido é o de homens da caverna que, por não conhecerem a complexidade do fenômeno de uma tempestade, atribuíam este evento à fúria dos deuses. Deuses que também eram fruto da observação precária e da criatividade. Não havia evidência direta que ligasse a tempestade à sua explicação de fúria divina. Havia apenas uma suposição que persistia como crença. Hoje em dia ainda há inúmeros exemplos de crença preenchendo as lacunas da explicação factual. Mitos de milênios atrás ainda são repetidos, os mesmos conceitos e explicações em que os povos da antiguidade acreditavam. E eles não são sustentáveis por si só. Não se pode comprovar sua veracidade, pois trata-se de ideias projetadas sobre fenômenos, e não conclusões tiradas deles. É aí que entra a fé: a opção por acreditar em algo insustentável no campo das evidências. Ou a opção por acreditar em uma dada explicação, mesmo havendo evidências de que aquela explicação não é sustentável. É distanciar-se dos fatos e ancorar-se no imaginário. É tentar trazer para a realidade conceitos que não passam de conceitos. A fé pode ser manifestada na forma de otimismo, ao se desejar a recuperação milagrosa de um enfermo, ou ao acreditar que um final feliz aguarda todos aqueles que tiveram uma conduta correta durante sua vida, mas também pode se manifestar de forma negativa ao condenar pessoas de uma crença diferente, ou ao justificar a crueldade com ensinamentos religiosos.
E é por isso que a ausência de fé não deve ser vista como uma característica negativa. O otimismo não depende da fé, e a fé não se limita ao otimismo. As virtudes humanas podem, e devem, existir livres de crenças, para que possam ser exercidas em todo seu potencial. O pensamento positivo pode existir em todos nós, até mesmo naqueles que não tem fé.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Dia de Finados


O dia vai chegando ao fim da mesma forma como começou: triste e vazio. Nos últimos anos, tem sido sempre assim. Não importa se o sol surgiu para expulsar as nuvens que perduravam há uma semana, não importa que o vento pareça refrescante para um fim de primavera; o sentimento é sempre o mesmo.
Pergunto-me incessantemente como outros conseguem lidar com a morte de uma forma satisfatória. Como conseguem superar a perda, a separação? Sei que é ingenuidade de minha parte, um misto de esperança e superstição, mas não consigo me livrar da expectativa de uma conexão. Olho repetidamente para a lápide, para a data cruel que marcou a destruição de nossa família, e para o restante do cemitério à minha volta. Vejo muitos visitantes, indo e vindo, mas espero ver algo mais. Espero ver aquele semblante reconfortante por quem nutri tanto amor.
Afinal, não é Dia de Finados? Não parece justo que pessoas separadas pela morte tenham uma chance de um reencontro neste dia? Carrego a frustração desta data de anos anteriores, mas ela não é suficiente para me tirar a esperança. Talvez hoje seja diferente. Talvez hoje eu tenha sorte. Só preciso ficar aqui mais um tempo, de braços abertos para um possível encontro. Mesmo notando que o sol já está se pondo e a noite se aproxima.
As noites. As noites são a pior parte. Se pelo menos eu tivesse a dádiva de uma visita. Só hoje. Um único momento, por mais breve que fosse, me traria uma satisfação enorme e me daria forças para encarar a noite. Mas a luz do dia desaparece por completo, trazendo-me a certeza da solidão.
E até mesmo essa me abandona com a chegada da noite. Um a um, os visitantes vão embora e os portões são fechados. Sinto todas aquelas terríveis presenças, já familiares, ao meu redor. A noite chegou e, com ela, chegaram as almas dos malditos para me atormentar mais uma vez. E assim como nos anos anteriores, nenhum visitante veio por mim.

domingo, 24 de dezembro de 2017

MAIS UMA NOITE

Assim que minha mãe apagou a luz do quarto, percebi o lobo monstruoso com quatro orelhas na cama vazia ao lado da minha. Ele olhava para mim ameaçadoramente, como se tivesse a intenção de saborear o meu pavor antes mesmo de se mexer. Eu dizia para mim mesmo que podia lidar com aquilo sozinho, da forma que fosse, sem precisar chamar minha mãe novamente. Mas o terror foi mais forte e, ao ouvir meu grito, ela acabou vindo e acendendo a luz. O cobertor enrolado já não parecia mais tão assustador.