sábado, 21 de dezembro de 2019

A diferença entre fé e otimismo

O otimismo é uma virtude livre de crenças; é o direcionamento do pensamento para um resultado positivo em uma situação de incerteza. Na grande maioria das vezes, ao se tratar de situações ainda não concluídas - como, por exemplo, ao aguardar o resultado de um exame, a resposta de uma carta de amor platônico, até mesmo o placar de um jogo de futebol - somos limitados por nossa percepção humana e não conseguimos ver todos os fatores que influenciam nesse resultado. Na verdade, não conseguimos ver quase nenhum deles. Portanto, não conseguimos acompanhar o desenrolar da situação, nem prever seu resultado. Só nos resta a esperança de uma conclusão satisfatória. Essa esperança nasce de nossas experiências anteriores e conhecimento adquirido; sabemos que situações semelhantes já foram concluídas com um resultado positivo, e isso indica a possibilidade de que agora aconteça da mesma forma. Assim, nos agarramos a essa ideia, a essa possibilidade. Queremos que o resultado seja positivo, muitas vezes não só para nós mesmos, mas para as pessoas com que nos importamos também. Portanto, quando ouvimos algo do tipo "Tenho fé que vai dar certo", é um exemplo de alguém exercendo seu otimismo, e não necessariamente, sua fé.
A fé não é sinônimo de otimismo. É um conjunto de crenças que projetam sentido e significado onde estes não encontram-se naturalmente. Nossa percepção da realidade é repleta de lacunas, decorrentes de nossos sentidos limitados. Não conseguimos acompanhar com detalhes todos os fenômenos da natureza, mas somos impelidos por uma necessidade humana de projetar algo nessas lacunas. E por toda a existência da humanidade, as lacunas foram sendo preenchidas por diferentes conceitos, decorrentes puramente da observação limitada e da criatividade. Um exemplo bem conhecido é o de homens da caverna que, por não conhecerem a complexidade do fenômeno de uma tempestade, atribuíam este evento à fúria dos deuses. Deuses que também eram fruto da observação precária e da criatividade. Não havia evidência direta que ligasse a tempestade à sua explicação de fúria divina. Havia apenas uma suposição que persistia como crença. Hoje em dia ainda há inúmeros exemplos de crença preenchendo as lacunas da explicação factual. Mitos de milênios atrás ainda são repetidos, os mesmos conceitos e explicações em que os povos da antiguidade acreditavam. E eles não são sustentáveis por si só. Não se pode comprovar sua veracidade, pois trata-se de ideias projetadas sobre fenômenos, e não conclusões tiradas deles. É aí que entra a fé: a opção por acreditar em algo insustentável no campo das evidências. Ou a opção por acreditar em uma dada explicação, mesmo havendo evidências de que aquela explicação não é sustentável. É distanciar-se dos fatos e ancorar-se no imaginário. É tentar trazer para a realidade conceitos que não passam de conceitos. A fé pode ser manifestada na forma de otimismo, ao se desejar a recuperação milagrosa de um enfermo, ou ao acreditar que um final feliz aguarda todos aqueles que tiveram uma conduta correta durante sua vida, mas também pode se manifestar de forma negativa ao condenar pessoas de uma crença diferente, ou ao justificar a crueldade com ensinamentos religiosos.
E é por isso que a ausência de fé não deve ser vista como uma característica negativa. O otimismo não depende da fé, e a fé não se limita ao otimismo. As virtudes humanas podem, e devem, existir livres de crenças, para que possam ser exercidas em todo seu potencial. O pensamento positivo pode existir em todos nós, até mesmo naqueles que não tem fé.