sábado, 13 de fevereiro de 2016

Nada mais importa


So close, no matter how far
Couldn't be much more from the heart
Forever trusting who we are
And nothing else matters

Never opened myself this way
Life is ours, we live it our way
All these words I don't just say
And nothing else matters

Trust I seek, and I find in you
Every day for us something new
Open mind for a different view
And nothing else matters

[...]

Never care for what they say
Never care for games they play
Never care for what they do
Never care for what they know
And I know [1]

     Quantas interpretações uma música pode ter? Como uma canção que foi criada como uma declaração para uma namorada é virada do avesso e se transforma em uma auto-afirmação sobre a busca por algo que não existe? Mais uma vez, uma janela do passado se acende e me atrai por uns instantes, me trazendo uma reflexão de quase 20 anos passados. Quantos mistérios o mundo tinha. Quantas descobertas, só esperando por mim. Havia sempre algo por trás de todos os elementos: as pessoas, os lugares, as histórias contadas; inúmeros segredos que eu poderia trazer à luz se eu me dedicasse a eles. A música acima foi o pano de fundo dessa época da minha vida. Uma época em que eu comecei a fazer mais perguntas, a correr atrás dos fatos, interrogar estranhos, buscar livros e mais livros, me esforçar para enxergar o que algumas pessoas diziam ver. E agora eu me pergunto se ganhei algo com isso. Obtive como resultado um conjunto de falhas que causou uma perda irreversível dos mistérios do mundo. Poderia isso ser uma vantagem, uma compreensão da realidade que impede a existência do desconhecido da forma como eu sonhava? É difícil responder a essa pergunta, principalmente porque a resposta pende para o lado negativo. O preço pela verdade pode ter sido alto demais.
     Descrever a trajetória completa dessa busca preencheria linhas demais, então vou me ater somente à época em que essa canção surgiu. Na falta de dados precisos sobre a data, posso dizer apenas que foi no final da minha adolescência, algo entre 1999 e 2000. O incentivo a querer saber mais veio de fontes diferentes e até mesmo despropositais. Uma delas, e talvez a mais importante, foi a insistência de minha família em me impor o espiritismo como religião.
     Os conflitos que tivemos e a dificuldade de me livrar disso não vem ao caso aqui, mas vale dizer que na época eram comuns cultos espíritas em minha casa e que minha presença era indiscutivelmente obrigada. Os ensinamentos e a doutrina nunca me desceram bem, assim como a ritualística e as preces. Mas o espiritismo tinha um lado extremamente atraente: os espíritos em si. Os médiuns afirmavam ver, ouvir, sentir e até incorporar espíritos dos mortos. Isso era legal demais pra ser ignorado!
     Quando eu sentia medo, sozinho no escuro, eu via vultos e ouvia ruídos, e não conseguia dormir. LÓGICO que eram fantasmas. Lógico que eles esperavam eu ficar sozinho pra vir me assustar. E esperavam ficar escuro. Luz acesa e companhia? Nem sinal deles. Assim foi minha vida durante muitos anos. De acordo com a visão espírita, isso era mediunidade. Eu podia perceber a presença deles, mesmo que só um pouco. Se nessas horas eu era capaz de percebê-los, por que não em outras? Por que não durante os cultos, onde estava todo mundo reunido com a luz acesa? Esse seria o momento mais propício, certo? Afinal, era um momento para eles nos visitarem e fluidificarem a água deixada ali. Eu nunca aticei meus sentidos tanto quanto durante os cultos. Eu mal piscava. As preces eram feitas, as leituras dos livros, mas não era ali que minha atenção estava. Era em volta. Era na porta de vidro do quintal. No canto das paredes. Atrás do sofá. No teto! Se algum deles resolvesse aparecer, não ia passar desapercebido por mim. Eu fitava até o rosto dos meus familiares, considerando a possibilidade de incorporação de algum deles.
     Acredito que, inconscientemente, eu inventava desculpas para não ter êxito. Eles eram bons em não aparecer. Eles tinham algum propósito secreto para não aparecer. Minha mediunidade precisava ser desenvolvida. E eu acabava achando que só iria ser capaz de presenciar os espíritos que apareciam para assombrar. E só na hora que eles quisessem. Só no escuro, quando eu estivesse sozinho. Apesar disso, as falhas sucessivas não me fizeram parar de tentar.
     A influência espírita foi além dos cultos em casa. Cheguei a comprar alguns livros a respeito, um sobre espiritismo no geral e um mais específico sobre a brincadeira do copo. "Copos que andam". Qual adolescente curioso não iria querer ler esse livro? O espiritismo como religião realmente não me interessava, mas eles pareciam saber tanto sobre espíritos. E eu queria tanto acreditar neles.
     Esse, portanto, foi o grande objeto do meu interesse: como eram, exatamente, os espíritos? Como eles interagiam com o mundo dos vivos? E com essas perguntas em mente, minha atenção estava extremamente voltada para esse assunto. Toda casa abandonada era assombrada. Todo cemitério era repleto de fantasmas. Toda família era visitada por parentes mortos. Os inúmeros filmes de fantasma assistidos na época também me tornaram um especialista no assunto. Um dia alguém iria encontrar algo concreto sobre eles, e esse alguém poderia ser eu.
     O espiritismo também trouxe mais dois elementos esotéricos à minha atenção: a reencarnação e o significado dos sonhos. Levando em conta tudo o que eu já disse até agora, parece desnecessário dizer o quanto esses dois assuntos também me atraíam. A ideia de recuperar memórias vindas de uma outra vida, vivida em outra época e talvez outro lugar, era fantástica. E cogitar viver experiências fora do corpo durante os sonhos parecia igualmente empolgante. O caldeirão do sobrenatural que fervilhava em minha mente já estava bem cheio, transbordando, na verdade.
     Um segundo fator influenciante foram minhas amizades. Dois de meus amigos cursavam psicologia e, na época, estavam extremamente decididos a seguir a área da parapsicologia. Mesmo eu tendo decidido seguir uma área diferente, eu fazia parte dos planos deles de montar um escritório de investigação paranormal. Enquanto muita gente da minha idade estava se matando de beber em festas, alguns até preocupados com gravidez e pensão, eu estava ali planejando ser um Caça-Fantasmas da vida real. Assim foi minha adolescência.
     Os dois amigos do "escritório de parapsicologia" não foram os únicos que compartilhavam meus interesses. Eu estava fazendo novas amizades com gente que também era extremamente curiosa com o sobrenatural. Pessoas aproximadamente da minha idade que tinham sua própria bagagem de leitura e casos ouvidos durante a vida, sobre experiências inexplicáveis e teorias antigas sobre o que não conhecemos a fundo. Era mais incentivo ainda de ler a respeito, de testar, de tornar os debates uma parte constante dos nossos dias. Até mesmo os membros do nosso círculo de amigos que não demonstravam tanto interesse nessa busca por respostas se reuniam conosco à noite, na frente do computador, com as luzes apagadas, para a leitura de histórias de fantasmas de sites hoje extintos. Tenho certeza que eles se lembram até hoje das principais histórias lidas e da música de fundo horripilante do site.
     O que até então havia sido uma obsessão pessoal passou a ser um hobby compartilhado. Eu via meus amigos se aprofundando nos assuntos e fazendo planos para o futuro e sentia que havia algo promissor aí. Que em grupo, talvez, nós fôssemos capazes de ver algo, de descobrir algo, de provar algo. Foi uma época de nossas vidas em que estávamos em total sintonia em relação a esses objetivos.
     Como amadores que éramos, em vez de nos inspirarmos em pessoas reais que faziam um trabalho semelhante na busca pelo sobrenatural, nós buscávamos nossos modelos na ficção. Líamos os mesmos livros, os mesmos quadrinhos, jogávamos os mesmos jogos e assistíamos os mesmos filmes e séries. Não posso dizer por eles, mas uma das séries que assistíamos acabou se revelando um grande reflexo do que eu vivia internamente. Uma série que trazia duas frases bem próximas do que eu sentia: "A verdade está por aí." (traduzido erroneamente e eternamente como "A verdade está LÁ FORA.") e "Eu quero acreditar."
     A série mostrava o empenho de um homem em buscar a verdade sobre visitas alienígenas à Terra e sobre o destino de sua irmã raptada, em meio a diversos casos sobrenaturais que fermentaram nossa imaginação durante anos. Mas o principal era a obsessão do agente em investigar e revelar algo para o mundo, além de para si mesmo. Sua primeira teoria em cada caso era sempre uma explicação cientificamente inviável, e ele quase nunca esteve errado. E o que eu fazia também era isso, eu sempre procurava projetar uma explicação sobrenatural em qualquer situação ainda não explicada. E era tão obcecado quanto ele em descobrir algo concreto.
     Agora, com todos os elementos devidamente apresentados, posso finalmente retomar o surgimento da canção-título em minha vida, esclarecendo como ela se encaixa, ainda que de uma forma distorcida, com todos esses tópicos.
     Fazendo parte de um grupo com os mesmos interesses, nós estávamos bem determinados a agir ativamente e começar a investigar, mesmo que informalmente. A oportunidade surgiu quando um amigo me convidou pra visitar sua família, em uma cidade pequena bem próximo de onde morávamos. Eu já havia ido lá com ele antes, assim como todos os nossos amigos, em ocasiões de férias e festas. Mas, dessa vez, nós iríamos com um propósito mais definitivo: perguntar e investigar sobre uma morte ocorrida na cachoeira onde costumávamos ir.
     Para não criar expectativas falsas, devo adiantar que este não é o tipo de história em que adolescentes bancando de investigadores acabam descobrindo alguma coisa importante. Não. Não descobrimos nada. Nem sobre a morte, nem sobre as bonecas que andavam sozinhas que também fomos investigar. Pois, como eu disse bem no começo, foi um caminho repleto de falhas e sem respostas conclusivas. Se houve algo estranho a respeito da morte do indivíduo (que eu nem nunca soube quem era), não ficamos sabendo. Mas fomos lá e tentamos, com toda a seriedade do mundo. Como se estivéssemos dando os primeiros passos de uma futura carreira. Um de muitos sonhos que ficou para trás.
     Nossa "base de operações", desta vez, foi uma casa vazia, que pertencia à tia de meu amigo e cujos inquilinos haviam acabado de desocupar. O único móvel era uma geladeira. Cada um de nós se apossou de um quarto e jogou seu colchão no chão. Havia mais amigos conosco ali, a maioria que havia ido apenas para aproveitar as festas da época na cidade, e todos ficaram nesta mesma casa. Um deles havia levado um CD com a música em questão, e foi ouvindo-a ali que eu realmente tomei gosto, tanto pela música quanto pela banda.
     O ambiente diferente já estava exercendo sua influência sobre mim. Era uma casa sem móveis, numa rua isolada, numa cidade pequena, até então cheia de segredos, e eu estava ali pra tentar descobri-los, com a ajuda de pelo menos um de meus amigos. E enquanto a música tocava, inconscientemente, eu associava alguns versos com o que eu estava vivendo.
     "So close, no matter how far" era sobre as respostas que eu queria. Cada passo que eu dava parecia ser o passo definitivo para encontrar alguma coisa. Às vezes, a falta de sucesso acabava me fazendo inverter a frase e dizer pra mim mesmo "So far, no matter how close". "Couldn't be much more from the heart", porque era algo que vinha de dentro mesmo, algo que me motivava a viajar e conversar com estranhos e tentar descobrir o que quer que fosse. "Forever trusting who we are" reforçava a ideia de grupo que tínhamos e "And nothing else matters" era um resumo de tudo isso.
     Sobre o próximo verso, sou obrigado a admitir que a associação foi pura culpa da minha interpretação errada do inglês. No lugar de "Trust I seek, and I find in you", o que eu acabei ouvindo foi uma frase sem sentido que soava como "Trust I seek that I'm finding you" e eu interpretava isso algo como "Tenho confiança que vou procurar e encontrar você", "você" sendo uma resposta, a verdade. Quando eu percebi, a música já estava em minha cabeça com um significado totalmente voltado para o que eu estava pensando. Totalmente diferente do que era para ela ser. Acredito que somente uma pessoa que nunca havia se envolvido sentimentalmente, como era o meu caso, poderia ter interpretado uma declaração de amor de uma forma tão distante assim.
     E hoje, ouvindo novamente essa música, eu me recordo de todos os elementos envolvidos. A casa, o propósito da viagem, o empenho e a expectativa em descobrir algo, as reflexões sobre as respostas inconclusivas das pessoas com quem falei, tudo isso é algo que não vai mais se repetir. Não dessa forma.
     Hoje, os conceitos são outros, a visão crítica é outra, a expectativa é completamente diferente. Ainda acredito em segredos escondidos, mas sobre coisas muito mais mundanas. Coisas erradas que as pessoas fazem em vez de fantasmas ou criaturas sobrenaturais entre as sombras. Explicações cientificamente plausíveis em vez de teorias fantasiosas. Nunca achei que eu fosse deixar de ser um Mulder e me tornar uma Scully. Mas foi inevitável. Não só com os assuntos apresentados aqui, mas com muitos, muitos outros que não foram abordados aqui também, devido à minha imersão cada vez mais profunda nas pesquisas. Não há uma verdade por aí esperando para ser descoberta. Pelo menos, não uma verdade sobrenatural. Eu quero acreditar, mas fica cada vez mais difícil. Considerando os grandes mistérios do mundo, acho até que não sobrou mais nada em que eu ainda queira acreditar.
     E a dúvida permanece: valeu a pena?

[1] Tão perto, não importa o quão longe
Não poderia ser muito mais do que isso vindo do coração
Para sempre confiando em quem somos
E nada mais importa

Nunca me abri dessa forma
A vida é nossa, vivemos do nosso jeito
Todas essas palavras que eu simplesmente não digo
E nada mais importa

Confiança eu busco, e encontro em você
Todo dia algo novo para nós
Mente aberta para uma visão diferente
E nada mais importa

[...]

Nunca ligo para o que eles dizem
Nunca ligo para jogos que eles jogam
Nunca ligo para o que eles fazem
Nunca ligo para o que eles sabem
E eu sei

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